quinta-feira, 12 de julho de 2012


"Não Digas Nada!
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada."

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 11 de julho de 2012


Não é todos os dias que nos referimos com carinho a quem faz parte da mobília. Não só não nos referimos a esses com carinho, como não nos lembramos de falar sobre eles. Estamos habituados a esticar um dedo e tê-los lá, a passar todo o tempo do mundo a seu lado.
Pois assim foi. Achei que deveria dedicar um pouco do meu tempo a um desses bichanos que me têm acompanhado ao longo de todos os dias, até mesmo aqueles que parecem não ter fim.
Tudo começa com o acordar. Não o seu acordar, mas o meu. Oiço um zumbido que na realidade não é mais que o seu miar. Levanto-me, dirijo-me à janela para a abrir. Primeiro a persiana, depois o vidro. Vá, anda, digo baixinho. Ele salta do tejadilho para o parapeito da minha janela e entra pelo meu quarto dentro.
Numa dezena de passos, vou da casa de banho azul à branca. Ele segue-me, como quem sabe o caminho de cor e salteado. Vai-se roçando delicadamente nas minhas pernas, como sempre faz. Ou isso ou os beijinhos que me dá no nariz, quando não resolve lamber-me as mãos, com a sua língua áspera mas dócil.
Miau.
Chegámos, eu sei. Ainda antes de abrir a torneira, já ele estava preparado para beber água, como que impaciente. Abri um pouco a torneira do bidé, de modo a não lhe molhar as suas patas dianteiras. Cerca de cinco minutos que esteve a beber água. Gota a gota. Mil gotas, mil vezes ele mexe a língua.
É extraordinário a forma como tu, ó gato, desperdiças cinco minutos do teu tempo, quando não são dez, a beber água.
E de facto nós consumistas não o fazemos, porquê? Nós que transbordamos sede infinita de tudo e que tanto gostamos de satisfazer imediatamente as nossas necessidades, perdemos cinco minutos ou mesmo dez a beber água, se não estivermos sentados num café a fazer tempo?
Não tenho resposta para a pergunta que aqui coloco. Certamente, este meu Baltasar (é esse o nome dele) mostra-nos como são importantes as necessidades básicas do ser vivo. Todos adorávamos ser animais, para não fazer nada. Mas fazemos nós algo de útil para com o mundo? Preservamos nós os nossos animais, a natureza? Combatemos para que haja sempre água e para que tenhamos sempre forma de satisfazer a nossa sede?
Assim o faz este gato. Para muitos é um simples animal, um bicho, para outros, mas para mim não é tao fácil defini-lo quanto parece. Vale mais que muitas pessoas, vale sim.
Este, ao qual dediquei uns minutos da minha vida, é o Baltasar, o meu Baltasar.
Parte da minha mobília. Uma das minhas preciosidades.

I forgot
I forgot the colour of rainbow, the sound of stars,
I forgot my name, who I am,
I forgot my birthplace,
I forgot the smell of flowers, the taste of chocolate,
I forgot the purpose of my life,
i forgot
i forgot

but i still feel my heart beating when you are close to me